A vulnerabilidade das instituições sociais básicas e a resposta solidária de primeira linha

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O associado RedPES, Pedro Hespanha, do CES/Ecosol (Universidade de Coimbra), pré-publica no nosso blog o capítulo “Vulnerabilidade e resposta”, que integrará o livro a publicar pela Conjuntura Atual Editora “Como Reorganizar um País Vulnerável?” coordenado por José Reis, em novembro de 2020.

Pedro Hespanha reflecte com lucidez, conhecimento e alguma emoção à flor da pele a crise provocada pelo COVID.

Constata que a pandemia veio colocar em xeque modos de vida, opções estratégicas e um suposto modelo de desenvolvimento que, afinal, não resistiram à “anormalidade” que obscureceu o presente e parece obrigar a um novo futuro porque, afinal, o rei já andava nu há muito tempo!

Acentua que é preciso encontrar nos caminhos paralelos (e por vezes, invisíveis), da resistência, práticas e soluções que podem contribuir parta a configuração de um novo futuro, onde o coletivo/comunidade terá a primazia sobre o individuo, o seu sucesso e o seu bem estar.

Elenca iniciativas e soluções, voluntariados e exemplos de criatividade na solidariedade e nos afectos que, decerto, tornaram menos penosos os últimos tempos.

Passam pelas palavras de Pedro Hespanha a extraordinária riqueza rítmica e frenética de mil e uma práticas solidárias e comunitárias que nasceram na resposta ao COVID.

Como Pedro Hespanha, estamos todos de olhos abertos até às orelhas e o olhar do pensamento mais acutilante, mais atento, mais reflexivo…

Saberemos valorizar estas novas ferramentas solidárias para um novo futuro?

Para uma antítese de um futuro que estava programado para as próximas décadas, onde até era possível um Planeta B?

Iremos marcar o tempo como pré-COVID e pós-COVID, a exemplo do final da década de 40, do século XX, ou seja o tempo do pós-guerra?

Será Pedro Hespanha, um exemplo de correspondente de guerra?

A vida em sociedade funciona, em boa medida, através de um conjunto numeroso e diverso de sistemas de práticas sociais e de padrões de comportamento que se foram dotando de relativa estabilidade e aceitação social e que se institucionalizaram. Ganhando legitimidade simbólica e normativa, graças à sua capacidade de dar resposta a necessidades sociais amplamente sentidas e de assegurar uma conjuntura de normalidade, essas instituições sociais cobrem praticamente todos os domínios da existência humana.

Apesar do seu caráter aparentemente duradouro, as instituições sociais sofrem o impacto de circunstâncias adversas de diversa natureza e estão permanentemente em luta pela sobrevivência. Algumas dessas circunstâncias podem abalar mais profundamente a base das instituições sociais – mesmo as mais sólidas – como aconteceu com o advento da modernidade, em que muitas delas, vindas do passado, soçobraram; em outros casos, elas conseguiram manter-se, eventualmente alterando em parte a sua configuração. As crises, contudo, independentemente da sua natureza ou duração, ameaçam quase sempre as instituições sociais, fazendo colapsar algumas e surgir outras de novo, em sua substituição.

Ainda mal recuperada de uma profunda crise económica e social no início da década passada, resultante da adoção de políticas ineficazes de austeridade para debelar uma crise financeira, a sociedade portuguesa é novamente surpreendida por uma crise de natureza diversa, mas igualmente profunda – a pandemia de Covid-19.1 A crise pandémica é uma crise especial e muito insidiosa. Desde logo pela sua invisibilidade e pela sua imprevisibilidade. Como refere Donatella Di Cesare, “a diferença fundamental em relação ao 11 de Setembro, por exemplo, é que no 11 de Setembro vimos os ataques às Torres Gémeas através do ecrã da televisão. E diferentemente da crise financeira de 2008, esta pandemia é um acontecimento extrassistémico […] a crise financeira fazia parte do sistema, podia-se prever que um dia iria acontecer, enquanto esta pandemia não é interna ao sistema, vem de fora e constitui — importa sublinhar — uma interrupção, uma cesura muito forte que ainda não elaborámos devidamente” (Guerreiro, 2020).2 Depois, ela combina fatores biológicos com fatores sociais, de um modo tal que os fatores biológicos se tornam mais aparentes e mais urgentes e, por esse facto, tendem a ocultar os fatores sociais que condicionam a propagação do vírus. Por isso, é corrente ouvir-se que a pandemia é democrática, ou seja, que ela atinge a todos. Mas não é bem assim: a probabilidade de se morrer de Covid-19 ou de ficar com lesões orgânicas graves é bem maior para quem não tem recursos para se defender dela. Como já se previa e os dados sobre a pandemia vão confirmando, as pessoas mais afetadas por ela são precisamente aquelas que se mostram mais vulneráveis do ponto de vista das desigualdades económicas e sociais (Sousa Santos, 2020; Cândido e Tavares, 2020; Caldas et al., 2020).

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